Lembram-se do dia 8 de janeiro de 2023? Lembram da senhora Débora, registrada em vídeo enquanto pichava a estátua da deusa que simboliza a Justiça, no pátio do Supremo Tribunal Federal, em meio à tentativa de golpe contra o Estado de Direito no Brasil? Pois bem, Débora foi presa, julgada e condenada. Hoje, por ser mãe de crianças pequenas e já ter cumprido parte da pena, cumpre prisão domiciliar.
Mas é preciso deixar algo claro: não foi só um batom.
Não foi um gesto simbólico ingênuo. Não foi apenas uma pichação. O ato — disfarçado de manifestação — foi a expressão visual e ideológica de um desprezo profundo pela democracia e pelas instituições que sustentam a República. Enquanto a estátua da Justiça era vandalizada, o país assistia ao ataque mais direto à ordem constitucional desde a redemocratização.
Há quem tente reduzir aquele gesto a uma “besteira”, a uma encenação, a um “exagero”. Mas o Brasil não pode se permitir esquecer: pintar de vermelho os olhos da Justiça foi uma forma grotesca de dizer ao país que, para os extremistas ali presentes, a Justiça deveria ser cega — não pela imparcialidade, mas pela submissão.
E é por isso que o alerta precisa ecoar. Porque quando relativizamos esses símbolos, quando fechamos os olhos para a gravidade dos atos cometidos em nome do “patriotismo”, abrimos brechas para que a história repita seus piores capítulos.
Nos Estados Unidos, o mundo assiste com apreensão ao retorno oficial de Donald Trump à presidência. Após perder para Joe Biden em 2020, Trump venceu as eleições de 2024 — depois que Biden, já fragilizado, renunciou à disputa e passou a candidatura para Kamala Harris, derrotada no segundo tempo da campanha. Trump assumiu o poder no início de 2025 e já completa pouco mais de 100 dias de um governo marcado pela mesma retórica incendiária de antes, mas agora com sede de revanche.
E o que ele já prometeu — e está começando a cumprir? Deportações em massa.
Mas não apenas deportar por deportar — isso Joe Biden já vinha fazendo. Trata-se de humilhar, prender pessoas em locais públicos, separá-las de suas famílias e de seus bens, assim — de repente.
Transformando as prisões em reality show.
Centenas de milhares de imigrantes estão na mira, incluindo trabalhadores latinos e brasileiros que sustentam silenciosamente boa parte da economia americana. Trump quer construir centros de detenção em larga escala, aumentar o controle militar sobre fronteiras e acelerar processos de expulsão sumária. Para ele, o imigrante não é ser humano — é um número, um obstáculo, um bode expiatório.
E não para por aí.
https://www.dn.pt/internacional/harvard-a-
universidade-com-quase-400-anos-que-comprou-a-guerra-com-trump
A Universidade de Harvard foi fundada em 1636, na então colônia da Baía de Massachusetts, o que a torna a instituição de ensino superior mais antiga dos Estados Unidos. Harvard está associada a mais de 160 laureados com Nobel (número que pode variar conforme critérios de afiliação — se por graduação, docência, pesquisa, etc.).
As universidades, que sempre foram um dos pilares do pensamento crítico e da liberdade de expressão, começaram a ser pressionadas.
Professores foram intimidados, cursos passaram a ser monitorados, e verbas públicas estão sendo redirecionadas apenas para instituições que se alinham ao novo “patriotismo oficial” — uma doutrina baseada em obediência, moralismo distorcido e silenciamento.
Estamos vendo, ao vivo, o que acontece quando o Estado de Direito cede espaço ao autoritarismo disfarçado de ordem. O mesmo roteiro que quase triunfou no Brasil em 2023 está em andamento nos Estados Unidos, agora com apoio institucional, retórica populista e um exército de seguidores dispostos a tudo — inclusive a calar vozes, apagar memórias e reescrever a história.
As situações impostas até agora são apenas ensaios para algo maior: mudar a Constituição dos EUA e se perpetuar no poder. As ameaças vindas de lá contra o Supremo Tribunal Federal não são acidentais — são balões de ensaio, testes de resistência institucional. O que eles querem de verdade? Terras raras, petróleo… e talvez, por puro capricho imperial, Fernando de Noronha.
Por isso, é preciso reforçar o que parece óbvio, mas tem sido deturpado: não foi só um batom.
Foi a assinatura simbólica de um pacto contra a democracia.
E toda vez que ignoramos esses sinais, perdemos mais do que direitos — perdemos a nossa capacidade de reagir.
(*) A cessão da Base de Alcântara aos EUA — formalizada durante o governo Bolsonaro, em 2019 — foi apresentada como um avanço tecnológico e uma forma de atrair investimentos para o setor aeroespacial brasileiro. No entanto, na prática, entregou-se soberania sem garantias concretas de transferência de tecnologia, com cláusulas restritivas impostas pelos Estados Unidos.
Pontos críticos da cessão:
1. Controle norte-americano sobre o que pode ser lançado:
O acordo proíbe o Brasil de permitir o lançamento de qualquer equipamento que contenha tecnologia sensível dos EUA sem autorização prévia de Washington — o que, na prática, limita a autonomia brasileira sobre seu próprio território.
2. Ausência de transferência de tecnologia:
Diferente de acordos firmados por países como Índia e China com outros parceiros, o Brasil abriu mão de exigir contrapartidas em ciência e tecnologia, enfraquecendo seu protagonismo no setor.
3. Risco de exclusão de parceiros estratégicos:
O acordo pode inviabilizar a cooperação com nações fora do eixo de influência americana — como Rússia ou China — em nome da adesão às regras unilaterais impostas pelos EUA.
A ironia geopolítica:
Enquanto o Canadá protege suas instituições e sua soberania com gentileza e firmeza, o Brasil, sob pretexto de parceria, permitiu a militarização indireta de seu território estratégico.
Alcântara não é qualquer base: sua localização próxima à linha do Equador é uma das mais valiosas do mundo para lançamentos orbitais.
A pergunta que fica é: quem realmente ganhou com isso?
O Brasil cedeu espaço. Os EUA ganharam poder. E o discurso de “cooperação” encobriu mais uma concessão assimétrica.
(*) Fonte: Google.
🍁🌾🍁
Júlio César escreve textos opinativos para manter viva a capacidade de indignar-se com as dores do mundo — além de poemas, contos e crônicas.
Fortaleza – CE, 24/05/2025.