Julio César Fernandes
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“Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai

A última lição de Mujica foi sobre a arte de morrer. Por Kiko Nogueira

Publicado por Kiko Nogueira -  Atualizado em 13 de maio de 2025.

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Quiseram os deuses que Pepe Mujica, o presidente-filósofo, morresse hoje, aos 89 anos, no mesmo dia do depoimento de uma “influenciadora” picareta a uma CPI natimorta. A glória e a miséria do ser humano.

Em suas últimas entrevistas, já enfrentando os efeitos debilitantes de um tumor no esôfago, Mujica refletia sobre sua vida e o futuro da humanidade com uma clareza única. Exercia a arte de morrer — ars moriendi.

 

O câncer no esôfago está prestes a se espalhar para o meu fígado. Não posso parar isso. Por quê? Porque sou um homem velho e tenho duas doenças crônicas. Meu corpo já não aguenta cirurgias nem tratamentos”, declarou ao semanário uruguaio Busqueda.

 

Meu ciclo acabou. Claramente, estou indo em direção à morte. O guerreiro tem direito ao seu descanso. Que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas ou qualquer coisa”.

 

Contou que iniciara o processo para ser enterrado no jardim de sua chácara, ao lado de sua cadela. “Lá fora, há uma grande sequoia. A Manuela está enterrada lá. Quero fazer os papéis para que me enterrem lá também. E é isso”, disse ele.

“Estou perdendo a vida porque é minha hora de partir”, disse ele com serenidade.
 

Para Mujica, a vida era uma preciosidade, mas também uma responsabilidade, e a morte, uma consequência inevitável, que ele não temia, mas aceitava com a mesma dignidade com que viveu.

Em suas palavras, ressoam as lições de Sêneca, que já ensinava sobre a necessidade de viver em sintonia com a inevitabilidade da natureza, não para se resignar, mas para saber viver com plenitude.

 

Mujica nunca se esquivou de confrontar o que muitos preferem ignorar: a transitoriedade da existência humana. Ele sempre foi um defensor da simplicidade e da austeridade, e esse espírito se reflete na forma como abordou sua doença.

 

Por que tanto lixo? Por que você tem que trocar de carro? Trocar a geladeira? Só existe uma vida e ela acaba”, questionou, mais uma vez desafiando a lógica consumista que domina o mundo moderno. 

 

Para ele, a verdadeira liberdade era escapar das necessidades impostas pelo mercado, que rouba a vida das pessoas, tornando-as prisioneiras de seus próprios desejos insaciáveis.

 

Ele lamentava o destino da humanidade, mas, paradoxalmente, também via uma oportunidade para a mudança, uma chance de reverter a cultura consumista que domina o mundo. “O mercado é muito forte, mas ele nos tornou compradores vorazes.
 

Vivemos para comprar. Trabalhamos para comprar. E vivemos para pagar”, falou.

 

Essa visão crítica do capitalismo se enrodilhava com seu conceito de uma vida mais rica em tempo e em valores humanos. Como ele mesmo concluiu, “você é livre quando escapa da lei da necessidade — quando gasta o tempo da sua vida com o que deseja”.

 

“Lute pela felicidade, não apenas pela riqueza”, ele nos instava. Em sua casa simples, rodeado de livros e potes de vegetais, Mujica vivia a vida que pregava: longe das distrações e mais próxima daquilo que realmente importa.

 

 

Ele não só ensinou a arte de morrer, mas também a arte de viver plenamente. No fina das contas, é a mesma coisa. O resto é silêncio.

 

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José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, faleceu em 13 de maio de 2025, aos 89 anos, em sua residência rural em Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu. Ele enfrentava um câncer de esôfago diagnosticado em abril de 2024, que se agravou com a síndrome de Churg-Strauss, uma doença autoimune. Em janeiro de 2025, anunciou que o câncer havia se espalhado para o fígado e que não se submeteria a novos tratamentos, optando por cuidados paliativos até seu falecimento.    

 

Uma vida marcada por luta, coerência e simplicidade

 

Nascido em 20 de maio de 1935, Mujica teve uma trajetória singular: foi guerrilheiro tupamaro nos anos 1960, preso por quase 15 anos durante a ditadura uruguaia, e posteriormente eleito presidente do país, exercendo o mandato entre 2010 e 2015.
 

Durante sua presidência, implementou reformas sociais progressistas, como a legalização do aborto, do casamento igualitário e da maconha, além de promover políticas de redistribuição de renda e inclusão social.   

 

Reconhecido mundialmente por seu estilo de vida austero, Mujica recusou luxos, viveu em uma modesta chácara e doou cerca de 90% de seu salário presidencial para causas sociais. Seu exemplo de humildade e coerência entre discurso e prática o tornou uma figura admirada globalmente.  

 

Legado e homenagens

 

Mujica foi casado com Lucía Topolansky, também ex-guerrilheira e figura política proeminente no Uruguai. Após deixar a presidência, continuou atuando como senador até 2020, quando se retirou da vida política ativa. Sua morte gerou comoção internacional, com líderes e cidadãos prestando homenagens a esse símbolo de integridade e compromisso com a justiça social.   

 

Para conhecer mais sobre sua vida e pensamentos, recomenda-se o documentário El Pepe, Uma Vida Suprema (2018), dirigido por Emir Kusturica, disponível na Netflix. Além disso, o filme A Noite de 12 Anos (2018) retrata o período em que Mujica esteve preso durante a ditadura. 

 

Pepe Mujica deixa um legado de resistência, humanidade e esperança, sendo lembrado como um dos líderes mais autênticos e inspiradores da América Latina.

 

    As causas permanecem e a vida se vai                  

 

Essa frase — “As causas permanecem e a vida se vai” — verbalizada por Pepe Mujica em uma entrevista, sintetiza com profundidade sua visão sobre militância, compromisso social e o sentido da existência.

 

Para Mujica, a vida não é sobre conquistas pessoais ou vaidades, mas sobre lutar por causas que transcendam o indivíduo: justiça, igualdade, liberdade. Ele próprio viveu essa filosofia — da guerrilha à presidência, da prisão à simplicidade extrema — sempre fiel às suas convicções.

 

Essa frase pode ser entendida como um chamado à consciência:

 

A vida é efêmera, mas as causas — quando justas — são eternas. Elas nos ultrapassam, nos sobrevivem, e são o que realmente vale lutar.”

 

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Publicado por Kiko Nogueira - Atualizado em 13 de maio de 2025 às
Enviado por Julio Cesar Fernandes em 14/05/2025
Alterado em 14/05/2025
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