Introdução
Com o falecimento do Papa Francisco, a Igreja Católica se prepara para um dos momentos mais decisivos de sua história recente: o Conclave de 2025.
Mais um legado do pontífice argentino poderá ser visto diretamente nesse processo: dos 135 cardeais com direito a voto no Conclave, 108 foram nomeados por ele — 80% do colégio eleitoral. Ou seja, o futuro papa será, muito provavelmente, fruto do projeto e da visão de mundo de Francisco.
Embora o Papa tenha promovido uma significativa descentralização na escolha de cardeais — incluindo representantes de países antes negligenciados —, ainda persistem fortes distorções na distribuição dos cardeais em relação às populações católicas de seus países. Este artigo analisa essas disparidades, a diversidade no perfil dos cardeais e o impacto potencial no futuro da Igreja.
Observações:
• A Itália, com 50 milhões de católicos, possui 17 cardeais eleitores. A Itália é o “coração” da Igreja Católica (o Vaticano está lá), então historicamente sempre teve um número inflado de cardeais — para manter influência direta nas decisões e no papado.
Muitos cardeais italianos são funcionários da Cúria Romana (o governo do Vaticano). Eles não são cardeais apenas “por serem italianos”, mas porque ocupam cargos no Vaticano, o que, por tradição, gera um “chapéu vermelho”.
• O Brasil, maior país católico do mundo, com 123 milhões de fiéis, tem apenas 7 cardeais eleitores.
• Filipinas e México, apesar de suas enormes populações católicas, são sub-representados.
Análise Crítica
O atual Colégio Cardinalício ainda carrega marcas profundas do predomínio europeu, mesmo diante da mudança no centro de gravidade da fé católica para o Hemisfério Sul (América Latina, África e Ásia).
O Papa Francisco buscou democratizar essa composição. Em vez de priorizar automaticamente arcebispos de grandes metrópoles europeias como Paris e Milão — considerados em outros tempos candidatos certos ao cardinalato —, ele descentralizou o poder, nomeando pastores de dioceses periféricas, muitas vezes em áreas pobres ou de pouca expressão internacional.
Essa estratégia visou construir uma Igreja menos eurocêntrica, mais representativa das “periferias” do mundo.
Contudo, é importante destacar que dentro da própria representação italiana há divisões relevantes:
• A maioria dos cardeais italianos (cerca de 15) tem perfil conservador e histórico de resistência às reformas recentes. Embora numerosos, exercem influência política limitada no cenário atual.
• Uma minoria de cerca de 5 a 6 cardeais italianos, criada por Francisco, possui perfil mais progressista, alinhado à visão de descentralização, acolhimento e abertura.
Especialistas apontam que, com quatro em cada cinco cardeais eleitores nomeados por Francisco, a diversidade de perfis dentro do Colégio poderá influenciar significativamente os rumos da próxima eleição papal.
O Conclave de 2025, portanto, não se desenha como uma disputa simplista entre conservadores e progressistas, mas sim como um espaço de diálogo entre distintas visões de mundo, origens culturais e prioridades pastorais.
Ações consideradas disruptivas — no sentido de desafiar estruturas tradicionais, propor novos caminhos para a Igreja Católica e influenciar o mundo em geral. Aqui estão as principais:
1. Reforma da Cúria Romana
• Reestruturou e simplificou os órgãos administrativos da Igreja.
• Criou o Dicastério para a Evangelização e o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, com foco mais pastoral e social.
• Buscou maior transparência financeira no Vaticano, combatendo práticas históricas de corrupção.
2. Abertura pastoral aos divorciados e LGBTQ+
• No Sínodo da Família e no documento Amoris Laetitia (2016), propôs uma abordagem mais acolhedora aos católicos divorciados e recasados, sugerindo, em certos casos, a possibilidade de acesso aos sacramentos.
• Tem incentivado o acolhimento das pessoas LGBTQ+, afirmando que “Deus ama todos os seus filhos como são” e condenando a discriminação.
3. Mudança de postura sobre o capitalismo
• Em encíclicas como Evangelii Gaudium (2013) e Fratelli Tutti (2020), Francisco faz críticas abertas ao neoliberalismo, à cultura do descarte e à desigualdade global, defendendo uma economia a serviço da pessoa humana.
4. Enfoque ambiental: encíclica Laudato Si’ (2015)
• Pela primeira vez, um papa dedicou uma encíclica inteira à crise ecológica.
• Defende uma “ecologia integral”, ligando degradação ambiental, pobreza e injustiça social.
• Incentivou fortemente o compromisso ambiental das instituições católicas.
5. Apoio a migrantes e refugiados
• Tornou o acolhimento de refugiados e migrantes uma prioridade explícita da Igreja.
• Criticou políticas anti-imigração e promoveu ações concretas de apoio aos deslocados.
6. Aproximação inter-religiosa
• Assinou, com o Grande Imã de Al-Azhar, o Documento sobre a Fraternidade Humana(2019) em Abu Dhabi — um marco histórico para o diálogo entre o Cristianismo e o Islã.
• Tem mantido diálogo com líderes judaicos, muçulmanos, budistas e de outras tradições religiosas.
7. Mudança no ensino da pena de morte
• Alterou o Catecismo da Igreja Católica para declarar a pena de morte “inadmissível” em qualquer circunstância, rompendo com séculos de aceitação condicional desse castigo.
8. Valorização do papel das mulheres
• Abriu novas funções ministeriais às mulheres (como leitoras e acólitas) oficialmente instituídas.
• Nomeou mulheres para cargos de alta responsabilidade na Cúria, algo inédito na história da Igreja.
9. Sínodo da Amazônia e defesa dos povos indígenas
• Deu visibilidade global às causas dos povos originários e à necessidade de proteção da floresta amazônica.
• Apoiou propostas que chocaram setores conservadores, como a possibilidade de ordenar homens casados (viri probati) em regiões remotas.
O Papa Francisco atua como um reformador, mas sem romper com a tradição doutrinária da Igreja. Sua “disrupção” é sobretudo pastoral, social e institucional: ele desloca o foco de uma Igreja autorreferencial para uma Igreja em saída, voltada aos pobres, aos marginalizados e ao cuidado do planeta.
Conclusão
O Conclave de 2025 simboliza uma tensão fundamental entre tradição e renovação dentro da Igreja Católica. Apesar dos avanços feitos por Francisco na internacionalização do Colégio Cardinalício, a desproporcionalidade histórica na representação ainda persiste.
O futuro papa será eleito em um cenário onde 80% dos cardeais foram nomeados por Francisco, o que aumenta as chances de continuidade do seu legado: uma Igreja mais aberta, descentralizada e sensível às periferias do mundo.
Contudo, a pluralidade de perfis entre os cardeais eleitores traz à tona um Conclave mais complexo, menos previsível e, acima de tudo, mais representativo da realidade global do catolicismo contemporâneo.
O pontificado de Francisco plantou sementes que, inevitavelmente, moldarão o catolicismo das próximas décadas — e o Conclave de 2025 será o primeiro grande teste para essas mudanças.
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Pesquisa Critica: Júlio César Fernandes
Autor de artigos reflexivos, contos, poemas e crônicas no Recanto das Letras. Observador atento do cenário geopolítico doe crítico da desigualdade social.
Fontes
• VEJA. “Dos 135 cardeais com direito a voto, quantos foram indicados por Francisco?” Disponível em: Veja
• BBC Brasil. “Funeral do Papa Francisco e próximos passos no Vaticano”, abril de 2025.
• UOL. “Conclave 2025: entenda como será a escolha do novo papa”, abril de 2025.
. Evangelii Gaudium (2013)
Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual — aborda reforma da Igreja, crítica ao capitalismo selvagem e renovação pastoral.
2. Laudato Si’ (2015)
Encíclica sobre o cuidado da casa comum — fundamenta seu posicionamento ambiental e defesa dos pobres.
3. Fratelli Tutti (2020)
Encíclica sobre a fraternidade e amizade social — fala sobre migração, economia, cultura do descarte e diálogo inter-religioso.
4. Amoris Laetitia (2016)
Exortação Apostólica pós-Sínodo sobre a família — sobre misericórdia e abertura pastoral a divorciados e novas configurações familiares.
5. Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Convivência Comum (2019)
Assinado em Abu Dhabi com o Grande Imã Ahmed al-Tayeb — trata da convivência pacífica entre religiões.
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